top of page

"O Vilarejo" | Raphael Montes

Bela Calli

Resenha de mais um livro nacional e, dessa vez, um livro que apesar de curtinho, compensa muito na técnica e no horror perturbador.


"O Vilarejo" é um livro de Raphael Montes, autor nacional conhecido por ser o criador da série original Netflix "Bom dia, Verônica". Publicado pela editora Suma, em 2015. Um livro de 94 páginas de ficção e horror. O livro trata temas como canibalismo, racismo, abusos (psicológicos, físicos e sexuais). Então, aqui fica meu alerta de gatilho!



Sinopse

Em 1589, o padre e demonologista Peter Binsfeld fez a ligação de cada um dos pecados capitais a um demônio, supostamente responsável por invocar o mal nas pessoas. É a partir daí que Raphael Montes cria sete histórias situadas em um vilarejo isolado, apresentando a lenta degradação dos moradores do lugar, e pouco a pouco o próprio vilarejo vai sendo dizimado, maculado pela neve e pela fome.


As histórias podem ser lidas em qualquer ordem, sem prejuízo de sua compreensão, mas se relacionam de maneira complexa, de modo que ao término da leitura as narrativas convergem para uma única e surpreendente conclusão.


O que você encontrará no livro?


  • Sete contos curtinhos extremamente chocantes que se conectam!

  • Autor que se coloca como personagem;

  • Ilustrações horripilantes e diagramação linda!

  • Temas que podem trazer gatilhos, escritos de forma explícita e gráfica (prossiga com cuidado!)

  • Do criador da série original Netflix "Bom dia, Verônica";



Você sabia que com apenas uma assinatura, você poderá ler milhares de livros nacionais (e gringos!) sem pagar nada a mais por isso?



O que achei de "O Vilarejo"?


O Vilarejo Raphael Montes
Reprodução | Bela Calli

Esse definitivamente não é um livro para qualquer um. Foi meu primeiro contato com a escrita do Raphael e já posso dizer com propriedade que, nesse livro, ela está bem gráfica e não liga de trazer o absurdo. Ele sabe como causar repulsa e indignação. Sabe usar as palavras para nos despertar sentimentos de nojo, tensão e principalmente raiva — o que casa perfeitamente com a proposta de “O Vilarejo”.


A premissa é bem simples, na verdade. Sete contos que não precisam um do outro e, ainda assim, se relacionam entre si. Todos se passam no Vilarejo onde coisas ruins acontecem o tempo inteiro. E cada um faz alusão a um dos Sete Reis do Inferno. Pretendo falar um pouco sobre cada ao longo dessa resenha. Mas o fato aqui é que, apesar de ser simples, esse livro se provou muito bem elaborado, e conseguiu me surpreender positivamente.


Apesar de ser permitido ler fora de ordem, segundo palavras do próprio autor, recomendo que siga fielmente os capítulos do livro. Eles não seguem uma linha temporal linear. Ou seja, você avança e retrocede na história do Vilarejo, sem saber qual período te espera. E essa disposição dos contos foi elaborada de forma que você se surpreenda com os detalhes e nuances. Acredito que a experiência seja mais impactante seguindo a ordem dos capítulos, especialmente porque há fatos e justificativas que, mesmo de modo indireto, influencia os demais contos.


Achei simplesmente incrível que Raphael Montes se inseriu na história como um próprio personagem. No prefácio, ele diz ter entrado em contato com manuscritos em cimério, negados pela neta da mulher que os deixou. Tanto nesse início, quanto no posfácio, Raphael se porta apenas como um tradutor que trouxe essas histórias grotescas para o português, conversando diretamente com o leitor no que parece mais que uma pincelada de contexto. O que me parece é que o personagem procura, em palavras íntimas, um desencargo de consciência, pois o que há naquela narrativa dividida em sete capítulos é simplesmente perturbador.

O Vilarejo Raphael Montes
Ilustrações do livro "O Vilarejo" por Marcelo Damm

E se essa não fosse uma ficção, eu não teria problemas em acreditar que Raphael foi, de fato, um tradutor. Afinal, como mencionei, é tudo muito bem construído! Criar uma história dentro de outra história é algo muito difícil de se fazer, especialmente numa narrativa não-linear que salta pelo tempo. E acredite, ele fez isso com maestria em “O Vilarejo”. Cada conto tem seu estilo de narrativa, mas uma característica bem forte e presente de modo geral é o subjetivo, e a forma qual os personagens são construídos de forma que desperte sentimentos negativos, porque, em sua maioria, as histórias são muito gráficas, absurdas e feitas com o intuito de chocar. Não há como se negar isso! São sempre situações extremas que relevam a face do que há de pior no ser humano.


Canibalismo. Abuso. Estupro. Racismo. Só citei alguns dos temas fortíssimos que foram tratados até com certa “naturalidade” nos contos. E entendo que foi feito dessa forma porque, infelizmente, essa era a realidade daquele povo. É essa “banalidade” com que os personagens veem seus próprios pecados — quais eles nem consideram falhas, na verdade — que nos indignamos e sentimos raiva do que lemos. Digo e repito que não é um livro para qualquer um. Não é um livro fácil de se ler, ou que eu recomendaria por mero entretenimento. Não é um livro divertido, e vai causar muitas sensações ruins como nojo e indignação. Mesmo para quem não é tão sensível aos gatilhos é um pouco difícil prosseguir a leitura.


Raphael Montes usa o absurdo para “mascarar” certas informações da história e também para aumentar o impacto de sua conclusão. Também percebi que esse livro é uma reflexão. Após o final, notei que assim como os personagens foram tomados pelos seus instintos (repulsivos, diga-se de passagem), assim é com o leitor que, muitas vezes, se vê tomado por um profundo ódio daquela situação. Uma história em específico me doeu na alma. Doeu e muito! E eu fiquei com tanta raiva da personagem que, durante minhas anotações de leitura, xinguei e até me senti satisfeita pelo desfecho merecido. Isso me fez questionar que, lógico, não nas mesmas proporções, mas também somos movidos pelas nossas emoções. Então uma mente desequilibrada em circunstâncias propícias pode resultar em consequências terríveis. Por isso, acho sim que o intuito é chocar, mas também abrir espaço para uma introspecção mais profunda sobre o ser humano como um todo, e a importância de uma psique saudável.


Há uma frase muito legal de “O Exorcista”, clássico de 1971, do autor William Peter Blatty, que eu gostaria de mencionar para pontuar essa questão: “[...] Costumo ver possessões nas coisas pequenas, Damien. Nas picuinhas e nos desentendimentos; na palavra cruel e cortante que salta livre à língua entre amigos. Entre namorados. Entre marido e mulher. Temos muito disso e não precisamos de Satanás para criar nossas guerras. Conseguimos criá-las sozinhos." (Blatty, 1971) A ideia é basicamente essa: o ser humano têm o mal dentro de si.


O Vilarejo Raphael Montes
Ilustrações do livro "O Vilarejo" por Marcelo Damm

Bem, e o que falar das ilustrações dessa edição? O trabalho do ilustrador foi sensacional! Sua arte consegue transmitir as sensações das cenas e causar até um certo arrepio. Definitivamente outro ponto super positivo, afinal, ilustrações são capazes de trazer as cenas para além do imaginário. E Marcelo Damm realmente fez um bom trabalho aqui!


Bem, a partir daqui, então, falarei brevemente sobre cada conto, na ordem em que estão dispostos. É mais sobre minhas impressões, então não se preocupe, não haverá spoilers.


"O caráter do homem é o seu demônio." (Heráclito, citado em "O Vilarejo")


O primeiro conto é do Belzebu, a "gula". Ele apresenta o Vilarejo como um lugar pobre, devastado pela fome — o que contrasta com o pecado retratado, afinal, a gula passa a mensagem de excesso. Mas o que seria o excesso para você? Se prepare, esse é um dos mais chocantes.


O segundo conto é sobre três irmãs. É de Leviathan, a "inveja”. Graficamente, acho que esse é um dos mais leves. Mas não abaixe a guarda, esse conto entrega muito mais do que você imagina.

O Vilarejo Raphael Montes
Ilustrações do livro "O Vilarejo" por Marcelo Damm

Lucifer, a “soberba”, é o terceiro conto e o que mais me enfureceu. Honestamente, ler esse conto foi como levar diversas facadas no peito. O subtítulo do capítulo já fala tudo: “o negro caolho”. Bem, se prepare, você vai passar muita raiva.


O quarto conto é de Asmodeus, traz a “luxúria”. Para quem é sensível à temas de abuso sexual, prossiga com muita, muita cautela. Esse conto é indigesto. No entanto, há uma breve cena muito importante tanto para a história, quanto para a compreensão do modus operandi de predadores sexuais. Lembrem-se de estar sempre atentos aos seus arredores.


Quinto, a “preguiça”, Belphegor. Mais um conto pesadíssimo que me deixou sem palavras para tamanha crueldade. Mas a partir desse ponto, as coisas começam a se interligar de uma forma interessante, deixando claro que é mais do que uma história sobre moradores que vivem uma vida desgraçada num vilarejo recluso.


Mammon, o sexto conto, é sobre a “ganância”. Esse também é um dos mais leves. Apesar de ser perturbador pelo tema que traz, depois de tantos absurdos que vi ao longo da narrativa, esse me pareceu mais “brando”. No entanto, ele também é importante, especialmente pelas pistas que deixa.


E por último, Satan. A “ira”. É justamente por causa dele que digo para ler na ordem dos capítulos. Para mim, este deve ser o último conto. É o ponto chave. Aqui, temos a retomada de uma história que já vimos, e há alguns esclarecimentos. Lembre-se de lê-lo por último.


Então, vem o posfácio que, para mim, é o ponto alto desse livro. Quando Raphael Montes, o tradutor, retoma com suas notas finais, você finalmente perceberá o quão inacreditavelmente bom é essa obra! É graças às páginas finais que tive a compreensão do que o autor pretendia com aqueles contos chocantes e indigestos. Foi graças às páginas finais que compreendi que a violência explícita não foi simplesmente gratuita. O leitor precisava se chocar, se inquietar, sair do seu conforto para então encarar o final que o aguarda. E novamente, o subjetivo se faz presente, forte. A cereja do bolo.


Mas talvez você me pergunte: vale a pena passar por toda essa experiência desgastante para um final perfeito? E bem, não sei dizer. Se você é fã de terror, está acostumado com leituras gráficas e não se impressiona com facilidade, então sim, vale muito! Como eu disse, o posfácio dá uma nova perspectiva; pega sua cabeça, chacoalha e te faz pensar mais. Foi um final genial, simplesmente.


O Vilarejo Raphael Montes
Ilustrações do livro "O Vilarejo" por Marcelo Damm

Mas se você não é fã do gênero, honestamente, eu não recomendo. Se você é sensível para os temas que mencionei, ou não tem estômago para leituras do tipo, então preserve sua saúde mental, ok? Essa não é uma leitura fácil. Não é para ser! As histórias são bem gráficas e, como já disse, causará sensações ruins até em quem já está “acostumado” com leituras pesadas. Mesmo que eu seja fã do gênero e quase todos os subgêneros do horror, também me senti nauseada. Então imagina quem não é?



Enfim, tenha em mente que esta realmente não é uma leitura para todos os públicos. E também não vá procurar só por causa da curiosidade, em! Eu mesma me surpreendi com as coisas que foram escritas porque não tinha visto nenhuma outra resenha do livro, ou algo mais aprofundado. Só vi avisos como “esse livro é pesado” ou “violência gratuita e colocada apenas para chocar”. E novamente, concordo com a primeira parte. Sim, é pesado sim! Mas não concordo com “apenas para chocar”, afinal, foi o impacto de tudo o que li que tornou o posfácio genial para mim. Foi o contraste entre o fato e o subjetivo. A imersão que é retirada do leitor de forma brusca. Os “será” que ficam após a leitura. Todo esse impacto é causado justamente pela explicitude dos pecados presentes no livro. Provavelmente me lembrarei dessa experiência por um bom tempo.


Então quero dizer, para concluir, que “O Vilarejo” será uma leitura bem marcante, tanto pelo seu aspecto gráfico, quanto pela narrativa e final surpreendente. É um livro com muita técnica, que utiliza de recursos super interessantes para criar uma narrativa envolvente e incrivelmente indigesta. Prossiga com cuidado e prepare seu estômago.


Se interessou pelo livro?




Gostou de post?


Então deixa um like, e compartilha com aquele amigo fã de Raphael Montes!

Posts Relacionados

Ver tudo

1 Comment


Filipe Motta
Filipe Motta
Oct 28, 2022

Amei a resenha e não sei se quero ler pq não sou muito acostumado com terror. Mas fiquei curioso 😂

Like

Oi, bem-vindos ao meu blog ♥

Quero te apresentar histórias incríveis e expor um pouco sobre meus surtos literários, então se gosta do universo dos livros, esse é seu lugar.

Os meus gêneros preferidos são: romance, fantasia e  suspense, mas você encontrará de tudo um pouco por aqui ...

E se tiver uma sugestão, saiba que ficarei muito feliz em ouvi-la! ♥

Sobre Bela Calli
Bela Calli
  • Amazon
  • Instagram
  • Facebook
  • Twitter
  • TikTok

Posts mais recentes

Emory: Alvorecer I. C. Capriolli

Gêneros

Tags Populares

Resenhas de Publicidade

Instagram

♥ Ajude o blog ♥

Se você gosta do meu trabalho e quer me ajudar de alguma forma, ficarei muito, muito grata! ♥

QR CODE DOAÇÃO

Você pode doar qualquer valor, ou contribuir com a compra dos livros...

E até comprando através do meu link!

Blog afiliado da Amazon
Blog afiliado da Shopee
Divulgue seu livro aqui
Cupom de desconto para livros
I. C. CAPRIOLLI obras literárias
Livros divulgados com publicidade paga
Blog Bela Calli

Graduanda em Letras de Língua Portuguesa e Inglesa, escritora, revisora e leitora assídua, criei meu Instagram Literário em fevereiro de 2022 para compartilhar meus surtos e experiências literárias. Decidida a trabalhar com o que mais gosta, criei também este blog para profissionalizar ainda mais as resenhas e trazer visibilidade para a literatura nacional! ♥

BLOG

PARA O AUTOR

PARA O LEITOR

Bela Calli © 2022

bottom of page